Eu sei que a gente se acostuma, mas não deveria.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma ao não abrir de todas as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a ascender mais cedo a luz. e, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.
A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá pra almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
[...]
A gente se acostuma a pagar por tudo que se deseja e necessita. A e lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarro. Á luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Ás bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta do pé, a não ter sequer uma planta por perto.
[...]
A gente se acostuma a coisa demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim da semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.
A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta. e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colassanti.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Te deixas encontrar.
Procurei tão longe, em outros horizontes o que estava aqui perto de mim.
Sempre ao meu lado, pronto pra um abraço eu estava sempre a repetir.
Essa solidão não parece ter fim, eu procurava uma saída para o meu coração.
Sempre tão distante o coração errante acostumado a cair.
Foram tantas quedas, perdas eu tivera, continuava a seguir.
Mas nenhuma palha mudou do lugar, tanto tempo eu andei só pra tentar te encontrar.
Estavas dentro do meu coração tudo mais era ilusão.
Que o vento leva pra não mais voltar, sei que agora, Jesus, eu te encontrei.
E viver sem ti eu já não sei, sei que te escondes e te deixas encontrar.
Vejo a solidão do peito arrancar, sua paz em mim veio transbordar,
toda a minha vida por ti procurei.
Vida Reluz.
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